In one of the early editions of this newsletter, I talked about the ideal moment to quit your job and become a nomad and/or a remote worker. "The essential item is how much money you have", I wrote.
I could only become a nomad because I had enough money to survive for two years without earning a penny —the worst possible scenario.
At this point, there's a lot of confusion. Those on the outside often look with skepticism. "If I were an heir, I could do that too". However, many nomads, like me, would love to be heirs. If I were an heir, I wouldn't have lent my parents much more money than I would have liked in the last eight years. I would have gotten a car or an apartment.
I'm not the most financially organized person in the world, but over the past eight years, I managed to save some of my earnings, which became a snowball —in a positive way.
I invited the journalist and nomad Júlia Flores, who has a great story on this issue, to write for No Direction Home.
As Júlia Flores says, there's a privilege in being middle class. But having had a certain privilege doesn't automatically qualify anyone to become a nomad. Blessed are those who can be nomads with more comfort. Me, Júlia, and many others need courage.
By Júlia Flores
About three months ago, I became the target of online backlash after sharing my digital nomadism lifestyle in an autobiographical article. The piece, featured on a widely-read platform and taken out of context on the newspaper's social media, turned me into a sort of "Bettina" of the remote work [For non-Brazilian readers, a girl who went viral by starring in a commercial where she claimed to be 22 years old with a million in accumulated assets —without disclosing several investments along the way].
It didn't take long for a blogger to label me a privileged blonde-white woman who "tossed the croissant aside to live by the beach". Oh, if only it were that simple.
From the very moment I decided to leave behind a conventional lifestyle to become self-employed and have the freedom to live wherever I wanted, I meticulously planned my finances for this transition. What I didn't know was that it would be more expensive than I imagined and, truthfully, would demand even more dedication to my profession than before.
Apart from the fortunate ones with ample funds, the ones covering the costs of digital nomadism are the nomads themselves. And I am a digital nomad precisely because I lack the socio-economic privilege to take years off to travel through Asia, embark on endless backpacking journeys across Latin America, or volunteer at hostels while putting my career on hold.
I don't even think this is sustainable in the long run. And guess what? As a nomad, I'm concerned about the long run. Financially speaking, it's tougher to organize when you lack a fixed routine (and fixed expenses).
My rent fluctuates over time, just like my cost of living. However, I continue to pay for health insurance, taxes, food, and everything else while trying to save up a little money and cover contributions to the social security system, private pension, and all the other benefits I gave up when I opted out of formal employment.
No, among nomads, it's not only the "gentrification gatekeepers", those wealthy foreigners who move to countries where their currencies hold greater value while repurchasing property in their home countries. In my nomadic experience, I've found that they're actually not the majority.
There's a distortion of nomadism that verges on naivety. I wish I had casually abandoned my croissant to live off my parents while traveling worldwide.
Yes, I know I'm privileged, and I can't deny that. In a country with perverse poverty rates, I had all the conditions I needed to advance financially, and attain my independence at a young age. I've never presented myself as the meritocratic heroine of the middle class.
The debate shouldn't even be about that.
When I chose to be a nomad, it wasn't because I wanted to enjoy all my privileges with a trendy title to garner likes on social media. Quite the opposite. I embraced remote work as a political stance because I believed it was a path where more people (especially the most marginalized) could find a better quality of life, mental well-being, and access various other rights often sidelined in labor discussions.
Through the backlash, I learned that discussing these matters in a profoundly unequal country like Brazil, with high unemployment rates and an unstable economic scenario, is still challenging. But it's precisely those who can question the system who should do so—with class consciousness, financial planning, and a healthy dose of courage.
Recently, I've also learned that the bill for nomadism isn't low, even though the media and internet coaches tend to portray this lifestyle as simplistic and effortless. Nowadays, I work an average of 2 more hours per day than before (10 more per week, 40 per month), deal with diverse demands, and need more economic discipline than ever. But if this is the price for my geographical, philosophical, and daily independence, I'm willing to pay it.
In March, Júlia appeared in the section “Who is This Digital Nomad”. Learn more about the nomad.
Versão em português.
Quem paga a conta do nomadismo?
Aqueles que têm a coragem de vivê-lo.
Há cerca de três meses eu fui cancelada na internet após compartilhar meu estilo de vida —o nomadismo digital— em uma reportagem autobiográfica. A matéria, compartilhada em um portal de massa e repostada fora de contexto nas redes sociais do jornal, me transformou em uma espécie de "Bettina” do home office.
Não demorou para que um blogueiro me chamasse de loira-branca-privilegiada que “jogou o croissant pro alto pra morar na praia”. Bem queria eu que fosse simples assim.
Desde o momento 1 em que decidi largar um estilo de vida tradicional pra virar autônoma e poder morar em qualquer lugar que quisesse, me planejei financeiramente para esta mudança. O que eu não sabia é que ela seria mais cara do que eu imaginava e que, na verdade, exigiria ainda mais dedicação ao âmbito profissional do que eu dedicava anteriormente.
Tirando os sortudos cheios de grana, quem paga as contas do nomadismo digital são os próprios nômades. E eu só sou nômade digital justamente porque não tenho o benefício socioeconômico de poder tirar anos sabáticos para viajar pela Ásia, pra fazer mochilões intermináveis pela América Latina ou pra poder virar voluntária em hostel e deixar a carreira um pouco de lado.
Nem acho que isso seja sustentável a longo prazo. E, adivinha só: eu, enquanto nômade, vivo preocupada com o longo prazo. Financeiramente falando, é mais difícil de se organizar quando você não tem uma rotina (e despesas) fixas.
Meu aluguel varia de tempos em tempos, assim como meu custo de vida. Só que eu continuo pagando o plano de saúde, os impostos, a alimentação e todo o resto enquanto tento juntar uma graninha pra poupança e pagar o INSS, a aposentadoria privada e todos os outros benefícios que abri mão na hora que declinei a CLT.
Não, entre os nômades não existem apenas os "guardiões da gentrificação", aqueles gringos ricos que migram para países em que suas moedas valem mais, enquanto compram uma casa própria em seus países de origem. Na minha experiência de nômade, descobri que esses, na verdade, não são maioria.
Há uma distorção do nomadismo que beira a inocência. Queria eu ter jogado o croissant pro alto para viver às custas dos meus pais ao passo em que viajo o mundo.
Sim, eu sei que sou privilegiada e não dá pra negar isso. Em um país com índices perversos de pobreza, tive todas as condições que necessitava para conseguir ascender financeiramente, conquistar minha autonomia ainda jovem e nunca me vendi como heroína meritocrata da classe média.
Para mim o debate nem deveria ser esse.
Ao decidir ser nômade, não foi porque queria gozar de todos os meus privilégios com um título hypado para conseguir likes nas redes sociais. Pelo contrário. Abracei o trabalho remoto como bandeira política porque acreditava ser um caminho onde mais pessoas (principalmente aquelas mais injustiçadas) conseguiriam encontrar qualidade de vida, saúde mental e usufruir de diversos outros direitos que, no debate trabalhista, muitas vezes são deixados de lado.
Com o cancelamento, aprendi que ainda é difícil falar desses assuntos em um país tão desigual como o Brasil, com altos índices de desemprego e com cenário econômico instável. Mas são justamente as pessoas que têm condição de questionar o sistema que deveriam fazê-lo – com consciência de classe, planejamento financeiro e doses de coragem, é claro.
Nos últimos tempos também aprendi que a conta do nomadismo não é baixa, ainda que a imprensa e os coachs de internet tendem a vender este estilo de vida de maneira simplista e fácil. Hoje trabalho em média 2 horas a mais por dia do que antes (10 a mais por semana, 40 por mês), lido com demandas variadas e preciso ter mais disciplina econômica do que nunca. Mas, se esse for o preço pra minha independência geográfica, filosófica e diária, estou disposta a pagá-lo.